Wednesday, January 16, 2013

Os milagres do futebol

Para quem não sabe, sou uma mestranda em História Social que estuda futebol, mais especificamente a seleção brasileira de 1970 e 1994. Devo, teoricamente, entregar minha dissertação até o dia 22 de fevereiro, por isso estou num processo maluco para conseguir finalmente terminá-la. Isso significa ler, ler, ler e ler mais um pouco. No meio das minhas leituras, encontrei um texto do Roberto DaMatta, MUITO bom, que fala sobre os milagres do futebol. Resolvi compartilhar aqui no blog, a minha versão do texto, o que provavelmente irá aparecer na minha dissertação. 

De acordo com Roberto DaMatta, muitas vezes o futebol é considerado um divertimento cuja função seria a de desviar a sociedade de suas tarefas mais nobres e urgentes. A elite e ao menos um brazilianist, já decretaram que o futebol é o ópio do povo brasileiro, espécie de suor azedo de um sistema social sem salvação.
Porém o autor afirma que nesse esporte, também existe “arte, dignidade, genialidade, sorte e azar, deuses e demônios, liberdade e predestinação, bandeiras, hinos e lágrimas”[1], e acima de tudo que, embora o Brasil seja ruim em “um montão de coisas”, é muito bom de bola. Somos campeões de futebol e isso já é o suficiente, afinal é melhor ser campeão de samba, carnaval e futebol, do que de guerras e vendas de foguetes. DaMatta afirma que, se o discurso “sério” diz que sofremos de analfabetismo, má distribuição de renda e inflação, o futebol anuncia um contraste. É por ser um “prazer vazio” que o futebol permite o resgate da sociedade.
Mario Vargas Llosa afirma que um livro e uma peça de teatro transcenderiam essa emoção instantânea promovida pelo futebol e DaMatta vai contra essa concepção, porque entende que nada seria mais preenchido que uma atividade humana vazia. Todas as atividades humanas, inclusive o futebol, não teria uma essência que seria cheia ou vazia de consequências, mas dependeria da relação que estabelece com seus receptores num dado momento e numa dada sociedade.
Dessa forma, o primeiro milagre do futebol é ser o que queremos que ele seja. No Brasil e em todos os países subdesenvolvidos, o futebol é um registro vivo das potencialidades da sociedade. O futebol, para DaMatta, é também uma área onde se pode ter a experiência da igualdade e do respeito às leis, o que não existe no mundo real. Ele se coloca contra a ideia de futebol como “ópio do povo”
Porque se continuamos a insistir que futebol é um instrumento de mistificação das massas ignaras que deveriam estar indo ao teatro, lendo romances ou discutindo política, estaremos apenas repetindo uma fórmula elitista e deixando de lado a possibilidade de estudar as implicações do futebol na sociedade brasileira[2].
Por isso que, se decidimos descobrir o que faz o futebol importante, tudo pode mudar. Se, tradicionalmente livros, teatro e aulas foram os instrumentos básicos de reflexão crítica, nada impede que a eles se junte o esporte bretão, que não tem nenhuma virtude em si mesmo, como qualquer atividade humana, mas tem o potencial de ser um espelho nobre ou mesquinho do sistema social. Para DaMatta, se podemos falar do futebol como ópio, “temos que dele falar como um instrumento de resgate da cidadania e de uma confiança em nós mesmos que nenhuma outra instituição chegou a dar ao país na mesma proporção”[3]. Em nosso país, nem a Igreja, nem o Estado, nem as ciências sociais, nem a literatura, nem a Universidade, nem o sistema financeiro, nem a burguesia promoveram a confiança requerida na construção de uma identidade nacional positiva e realmente aberta. Assim, foi o futebol que permitiu uma visão mais positiva e generosa de nós mesmos, num plano realmente nacional e popular.
O segundo milagre do futebol seria então, esse resgate de nossa própria alma por meio de uma atividade que nos traz confiança e permite que entremos no saboroso universo da vitória. E isso é extremamente importante para o povo brasileiro que sofre diariamente, estando muitas vezes sem esperanças de melhora. Tem sido através dessa experiência futebolística que conseguimos tirar a pesada capa de uma confusão trágica que sempre teve muita força entre nós: a de pensar que criticar é também destruir e liquidar com qualquer assunto.
No Brasil, o poder é marcado pela linguagem jurídica pomposa e ininteligível para a massa, os símbolos nacionais são propriedade exclusiva do Estado e não são livremente transferidos para o povo, tudo está separado e dividido entre a casa, onde se tem direitos, e a rua, onde só se tem deveres. Assim, o futebol permitiria juntar tudo isso, demonstrando que é realmente possível rimar de verdade cidadania com alegria.
De acordo com o autor, o milagre promovido pelo futebol é algo que tem uma relação profunda com três fatores básicos. O primeiro, é que há uma interação fundamental entre jogo, jogadores e espectadores, que chamamos de torcida. Dessa forma, o público sabe ser atento e sabe que, no universo do futebol, a sua participação pode ser decisiva para o desenrolar de uma partida.
Há assim uma profunda integração entre os jogadores, o público e também as regras universais que fazem com que o futebol promova espetáculos importantes de justiça social. Pois, “se a União Soviética tem poderio militar, nós temos o Éder; e se a Inglaterra tem o porta-aviões Hércules, nós temos o Zico”[4]. Nenhum dos dois países pode mudar as regras do jogo utilizando seu poderio político-militar. Então, quando uma atividade realiza esse milagre, podemos viver concretamente a democracia no seu sentido mais profundo.
Essa possibilidade de viver num mundo civilizadamente governado por regras que todos respeitam (se não respeitam são devidamente punidos) e que são soberanas é a grande experiência do futebol. DaMatta afirma que
o futebol me mostra que a derrota e a vitória são estados passageiros e não fatos substantivos. Posso também perceber nesta troca de símbolos um gesto básico de conforto pela igualdade de todos perante suas camisas e regras do jogo[5].
 Espero que tenham gostado!
Saudações verde-amarelas ;*

[1] DAMATTA, Roberto. Explorações: ensaios de sociologia interpretativa. 2 ed. – Rio de Janeiro: Rocco, 2011. P. 88.
[2] DAMATTA, 2011. P. 89.
[3] DAMATTA, 2011. P. 90.
[4] DAMATTA, 2004. P. 91.
[5] DAMATTA, 2004. P. 93. 



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